Tresvarios

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Tresvario é quando eu me vingo

da realidade doendo

da placa de vendo vou me despedindo

mas só recomendo pra quem chora rindo

na hora que a vida diz não.

Tresvario e rasgo o contrato

Cuspo marimbondo no prato e vou comer no chão.

De mim mesmo escapo

Isso é tão normal e nunca me fez mal

Tresvario é na contramão.

Tresvario é quando eu mergulho no espelho

atrás do meu ego

E só acho orgulho, um orgulho cego

Mas vou remexendo nesse negro entulho

e acabo encontrando algo além

Tresvario e pago meu preço

Fico sem ter fim nem começo e vou por mal ou bem

De mim me despeço

Quem nunca viveu esse momento vil?

Tresvario é não ser ninguém!

Tresvario é quando escangalho,

abro um talho mostro a gengiva

Tardo mas não falho, canto em carne viva

Mas não me atrapalho com essa voz ativa

na hora que a diva diz não

Tresvario e mando na lata,

e no mata-mata a mulata vem comer na mão

E não desengata.

Que bateu-valeu é dom que Deus me deu.

Tresvario é farol no breu.

Sem Par

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Imagina eu sempre sendo seu

desde o meu primeiro olhar,

imagina você não me ver

e quase tropeçar

no amor que eu ía dar,

imagina a gente se cruzar

e a vida desembaraçar.

Imagina estar em sua vida

antes dela vir vingar,

imagina o tempo não passar

e a vida nos juntar.

Imagina o a gente planejar

saídas pra nenhum lugar...

Imagina a minha língua aflita

pousada no seu paladar,

imagina a terra prometida sendo já.

Imagina a gente se entender

sem palavras pra trocar,

imagina a língua extinta

que usaria às tontas pra me declarar.

Imagina o tempo desandar

pra gente não se acostumar,

imagina a gente desmanchar

e Deus querendo reconciliar,

imagina eu dedicando a vida

a te encontrar...

Imagina eu estranhar viver

assim sem par.

Ponto Cego

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Tu leva um lero ali comigo

Enquanto eu ligo o luar

Eu não te alugo eu tô contigo

Até você decolar.

Por outro ângulo eu quero

Ver você mergulhar

No meu mar, no meu mar

Do meu maligno olhar.

Querendo afago até teu ego

Até você flutuar

Não nego nega eu não sossego

Enquanto não te agulhar

De gole em gole eu consigo

Eu não me engano no olhar

Te espero num ponto cego

Em que você queira estar...

Não quero é te pressionar.

Claudicantes

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Ontem, Bonnie e Clyde em clima de affair

Hoje, caos e contradição

Clows clarivendo um verão qualquer

Imploro compaixão

Seu fecho-eclair não quer

Não explode, a paixão implode de aflição.

Ontem clones caminhando ao luar

Clandestinos num vil vagão

Nós, cicerones do dom de amar

Closes de um dramalhão

Televisão do olhar

Qual lewinskys quando encontram clintons nun salão.

Sou mesmo um sentimental

O tempo foi mais cruel

Eu me acostumei plural

Acordei num quarto de hotel.

Hoje em videoclipes somos dublês

Claudicantes em combustão

Nós reclinamos em vãos clichês

Plenos de hesitação

Nublados de talvez,

Love story que já se recolhe ao coração.

E ficou tão down meu edredom.

Enfim, Saudade

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Eu quis a minha vida esparramada na avenida

e em cada dor aguda eu pus o dedo na ferida.

De nada me desvencilhei,

de tudo me incumbi,

só não achei saída pra saudade.

Também quis minha alma empoleirada

em cada estrela,

pra cada doce amada eu fiz a música mais bela.

De toda dor me desprendi,

em todo amor me dei,

mas encarei de jeito uma saudade.

Eu fiz tua vontade a cada nova primavera,

ali na flor da idade eu quis a última quimera.

Em tudo me lancei por ti,

de nada me esquivei,

mas só tirei proveito da saudade.

Enfim fiz cada acorde à luz da lágrima mais rara,

enchi meu coração de uma canção incendiária.

Reconheci que nada sei

de tudo que vivi

e descasei no leito da saudade.

E escancarei meu peito pra saudade!

Rio no Frio

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Rio no frio

tapetes de amendoeiras

praias, inúteis paisagens.

O mar devora minhas ideias.

Estocolmo, está calmo demais.

Rio no frio

A noite esvazia a madruga.

Os ventos em fuga na vaga manhã

tragam meus olhos. Berna.

O Rio hiberna.

Praga. O Rio apaga.

Tundra na rua quitanda

neve na nuca, never, nunca!

Ronca, ronrona a geleira

na beira da Praia da Bica

e eu não creio

no Rio no frio,

meu olho moscou a cena:

orca encalhada na Urca.

Do pico do Kilimanjaro

peço um quibe manjado

na Uruguaiana

Buenos Aires

no Saara,

antes cálido,

hoje gélido.

Num Cabe Num Quibe

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Desoriente seu talibamba.

Um Godzilla zen também da samba.

Experimente Nirvana no tamborim

porque na cama, quem nunca amalgama

Osama e Dalai Lama?

Expanda a mente do homem-bomba:

yoga e botequim, kabuquizomba!

E francamente não dá camisa a ninguém

ficar sonhando harém no céu cantando

numa catacumba.

Tem que ter, tem que ter mais tai-chi-chuan.

Tem que ter, tem que ter menos tai-ken-dô.

Esqueça que o dragão te incomodou,

misture o tamagoshi e o agogô.

Tem que ter, tem que ter muito narguilê.

tem que ter, tem que ter menos karatê.

Aceite ir de Toyota a Bagdá,

até porque de Kombi ía atolar.

Não cabe num kibe,

O samba é nakayama,

é furo no ofurô.

É furor no sumô,

sushi no Habbib.

Se sobe no tatame apaga um Pokémon

no ipon, no ipon, no ipon, no ipon.

Sem Pai Nem Mãe

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Meu amor é dor dilacerada

É Cuba Libre de joelhos atentada pelo

olhar do Tio Sam.

Feito uma flor desenganada,

cada pétala caída chama logo a sua irmã.

Do meu amor não sora nada de manhã, nem sol.

Arde como um riso sem final,

meu amor conserva-se em formol,

mesmo quase morto é meu farol de luz negra

a beira-mar

alumiando seu mal.

E quando o amor me trai te amar não é melhor

que desejar estar no céu como quem se vai.

Meu amor é um faristeu, sem mãe, sem pai.

Mas que amor o meu, não ama nada!

É sucuri pisando os freios afrontada

pelos anseios da rã.

Feito de uma flor tão corrompida,

cai da árvore da vida bem no colo de satã.

O meu amor é um torcicolo de manhã...

Deus meu!

Faz-de-conta que ele já morreu.

Diz pra ele que nunca me viu.

Usa o seu engenho mais sutil

e envenena o meu amor

como se ele fosse teu.

Pois quando ele me trai, te amar não é melhor

que ter um cálculo renal que nunca se extrai.

Meu amor não é normal. Sem mãe, sem pai.

Na Mesma Moeda

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Pra você desmilinguir

basta eu vir te procurar

mas eu volto só de vício

você não faça nenhum sacrifício

você não tem mais o direito de me perdoar.

Você podia ao menos me enjeitar

e me fazer sofrer

e devolver na mesma moeda

o que fiz pra você

me maldizer com a voz azeda:

“Eu não te quero mais!

Eu não te espero mais!

Não te tolero mais!”

E dizer que enfim de mim não se apieda

e a minha queda é o que te deixa em paz.

Na Calada da Noite

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Falar no tal do amor bem poucos podem,

e eu nunca alimentei essa ilusão.

Amor é coisa fina tão fora de ordem,

que resolvi deixar de mão.

Mas hoje a solidão que a noite acende

de assalto me tomou o coração.

fiquei pinçando o céu com olhar ausente, demente,

desentendendo a imensidão.

E a sós com meu secreto amor dormente

cheguei a essa simples conclusão:

arder de amor é dom de toda gente,

falar de amor, só quando o amor diz não.

Falar no tal amor bem poucos querem.

É uma tarefa ingrata e colossal.

Alguns saem ilesos, mas muitos se ferem,

falando a mesma língua igual.

Mas hoje o meu discreto amor doente

soprou-me essa possível solução:

falar de amor sem cor é mal corrente,

emudecer de amor é inspiração.

Capataz

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

Quem é capaz

de um pente fino

passar em cada olhar fugaz

Verá que toda paz

não passa de uma cassino

onde se aposta e volta atrás.

Por isso é que sempre encasqueto

com o custo dessa paz voraz:

um gole de aguarrás,

um gás que come quieto

e o tempo sendo o capataz.

Menino, eu quis fazer as pazes

naquelas bases com rivais,

e paz impôs limites

e ao invés de mil oásis

fiquei só com meus areais.

Assim a paz

nem sempre é o que apraz

se carregada na tinta,

pois prezo a paz

atroz que a guerra traz

até que Deus me desminta

e tente impor ao mundo o plano audaz

de uma paz indistinta

que sirva a querubins e canibais

mas não dê muito na pinta.

Por mim, se é paz, eu pasto reto!

Já descobri que me compraz

ser incapaz de paz

sendo capaz de afeto

me faz ser um gentil sagaz.

E mesmo quando eu me amotino

queimando minhas naus no cais

se perco a minha paz,

eu passo o pente fino

e o meu destino diz: jamais!

Jamais terás a paz a pino!

Jamais terá um porto a mais.

Mas saberás que a paz

tampouco é um dom divino.

A paz se paga, a paz se faz.

Estreito Infinito

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

É tão cedo meu pobre cantor

pra deixar tanto amor sem final!

Será mesmo o tal medo, o pavor

que na garganta estanca o seu carnaval?

Por que insiste em sair do meu tom

como um nó tão bem dado no som?

De onde vem? Vem, me diz

com que disfarce eu te faço feliz.

Desfaz de vez esses nós, só pra nós.

É tão tarde meu nobre cantor

pra deixar tanto amor pra depois,

sua voz, seja lá como for,

pela garganta cantará por nós dois.

Por que esconde essa voz, afinal

sufocada entre as cordas vocais?

Aliás, diz enfim:

como desato de vez os seus nós

para ouvir você cantar só pra mim?

Pois quando escuto no orvalho

seu claro gorjeio tão cheio de sofreguidão

só pra ver tontear as notas da paixão.

Eu me aconchego sem medo

no estreito infinito que habito no seu coração,

virada em música-voz

sou bem capaz de cortar

dessa canção de nós.

Curto Circuito

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

O meu coração ficou pasmo

mal eu pus os meus pés

neste recinto,

não contava decerto

com teu fingimento

que não tem cabimento

entre nós.

O curto circuito do meu pensamento

foi total.

Feito um touro

no labirinto,

que invento um vendaval.

A cena que vi era quase uma ofensa

e a desavença

desmoronou:

Me gritaste que não,

que eu usasse a razão,

pensasse bem nos meninos...

Mas meus desatinos não deixam por menos.

Ouvi ter venenos

em contradição

e desastrado,

matei errado

meu coração.

Gênese

Luiz Flavio Alcofra | Mauro Aguiar

   

O âmago do Heitor Uirapurú

Alfredo carregou mandou pro céu

Noel coloquial controu pro exú

E o cântico ancestral trouxe Ismael.

Na ácida nação tornou-se Ary

Luiz fez agridoce no sertão

Embarcação de sal em Dorival

E o Tom fez a canção cair em si.

Francisco descobriu outra espiral

Que transmutou de vez no gê do Gil

Caê camaleão descontraiu

Descontruiu João no tropical.

Até que outro João relampejou

E viu Ivan ter voz de vendaval

A cria de Luiz lacrimejou

E a Djaluz vazou no manguezal

Na ginga do tiê ponto final?

A ginga do tiê talvez farol.